Por Sylvia Calandrini
No livro Mergulho, publicado pela Editora Paka-Tatu, Tiese Teixeira Júnior apresenta uma realidade ao mesmo tempo particular e coletiva, que sempre reverbera em seu discurso de forma contundente: Existem Amazônias!
Tiese Teixeira é professor com experiência na educação básica e, atualmente, no ensino superior. Fez de sua práxis a defesa da leitura como emancipação, cujos preceitos vivenciou em seu processo de formação, que, devido à realidade ribeirinha, parece ser mais custoso e demorado... Eu bem sei.
Ler Tiese é como sentar e conversar à beira do rio para falar do que se ouviu de alguém. Claro que não se trata de um mero repasse de informações: é a necessidade de falarmos de nós mesmos, de nossa gente, do nosso lugar.
Por isso, seus quinze contos foram urdidos – e é este o papel do autor – numa intenção: primeiro mergulhar as histórias no que é o nosso chão, só que liquefeito... nossa realidade, nossa essência – por mais que alguns tentem esquecê-la – ribeirinha. O retorno à superfície cabe a nós, leitores. E a tecitura feita por Tiese ora nos encanta, ora nos confronta.
Encanta quando ressalta, por exemplo, o protagonismo das mulheres amazônidas, que, tal qual as guerreiras míticas, lutam por respeito e para conseguir seu espaço – uma delas, Morena, “viveu do jeito que quis” (p. 29). Mas somos confrontados com denúncias de uma infância que ainda não é respeitada – seja pelo assédio contra as meninas, seja pela falta de uma educação de qualidade – e com um evento representativo do desrespeito com os povos da floresta. O mais significativo é que não são relatos descontextualizados, nos quais se evidencia o olhar de quem vê de fora; são narrativas dos que vivem o cotidiano com sua própria ciência...
É o que sabemos lendo Peneiras: “Em casa, éramos orientados a ter cuidado com a mata, os animais, os igarapés e o rio. [...]. Tirar óleo de copaíba requeria cuidados especiais. Tinha que considerar as fases da Lua, na Lua cheia era o melhor período [...]” (p. 11); e os Pés e as mãos, que “[...] viviam machucados. Naquele mundo, os trabalhos eram marcados por relações dolorosas, que, com o tempo, eram naturalizados como algo do que não se podia fugir” (p. 30). Estas e outras tantas reflexões são as cenas amazônicas que também constituem nossa identidade.
Mergulho certamente é uma leitura válida porque não tem um fim utilitarista – definir a Amazônia como um locus idílico, por exemplo –, e, por isso, chama a atenção de quem tem o hábito da leitura ou apenas quer se reencontrar com vivências há muito esquecidas.
Sylvia Calandrini é licenciada em Letras pela Universidade do Estado do Pará [UEPA].
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